O Cobrador

Conceitualização do "Cobrador"

Macuácua (2005) define o cobrador de “chapa 100”, como sendo aquele indivíduo que no transcurso normal da apresentação destes serviços tem a função de fazer cobranças de tarifas de transporte aos passageiros, cabendo-lhe a responsabilidade de produzir a receita do dia e, consequentemente, de assegurar que o “chapa” seja rentável ao seu proprietário.

Por sua vez, Dinesse (2008) considera o cobrador como sendo um indivíduo que procura pessoas interessadas em viajar, como também faz cobranças aos passageiros durante o percurso.

Este cobrador pode ser biscateiro, se for contratado para um tempo reduzido, “por exemplo, diariamente”, e permanente se tiver um contrato mensal. Na visão de Maueie (2010), mais do que cobrar o dinheiro de passagem por cada passageiro e sua carga, os cobradores têm a função de garantir e assegurar a lotação da viatura, assim como auxiliar o motorista no controlo de “emboscadas” de fiscalizadores e “armadilhas” dos demais chapeiros.

Colaço (1998) caracteriza os cobradores como aqueles que se apresentam de uma forma muito típica, de calças ou bermudas jeans, despenteados e “sujos” de óleo no corpo e nas mãos. As suas roupas assumem marcas de inversão e rebeldia e contrastam com as dos passageiros e motorista. E é em função desta diferenciação que, por outro lado, os utentes os classificam. Entretanto, a sua indumentária oferece um significado simbólico pelo facto de saberem que trabalham num lugar com precárias condições higiénicas e que, pela própria natureza do trabalho, se sujam facilmente.

Definimos o cobrador como sendo um indivíduo dotado de um conhecimento, que constrói suas regras e adopta um estilo próprio de vida de convivência e interacção com a sociedade. Vive a realidade do “chapa 100” de forma contínua e intensa, visto que se encontra inserido neste contexto no seu quotidiano.


A vida atrás da porta: A profissão de cobrador 

O quotidiano dos cobradores é feito dentro do “chapa 100”, é neste espaço social onde passam a maior parte do tempo, convivendo e interagindo com os “outros”. Procuram integrar-se e constroem a sua identidade social, moldando-a de acordo com a realidade social na qual se encontram inseridos diariamente. 

Este espaço social possui diferentes significados para os cobradores e tais significados reflectemse na importância atribuída ao “chapa 100” por eles. Estas atribuições configuram-se essencialmente na classificação do “chapa” como um lugar para divertimento, aprendizagem, fonte de rendimento, espaço de interacção com os passageiros, da mesma forma que, para alguns, simplesmente não possui nenhum significado e dele não se pode tirar proveito, o que faz com que muitos dos cobradores afirmem não gostar do trabalho que exercem. 

A profissão de cobrador de “chapa 100” é uma profissão marginalizada, não reconhecida segundo os nossos entrevistados, e, na maioria das vezes, não considerada por muitos, ou seja, em algumas situações não chega a ser vista como uma profissão no verdadeiro sentido do termo, no entanto, para os cobradores esta constitui sim uma profissão informal, mas que pode ser equiparada a qualquer outra. 

O acompanhamento do quotidiano do cobrador dentro do “chapa 100” permitiu-nos observar como o mesmo faz a gestão do seu trabalho no meio daquele espaço social, o significado da sua profissão e de que maneira “ele”convive com os usuários do “chapa 100”, de acordo com a profissão que exerce. 

Os cobradores passam a maior parte do tempo dentro do “chapa”, gerindo este espaço da forma como lhes convém, a porta da entrada do “chapa 100” confere-lhes uma autonomia sobre aquele espaço, a vida atrás da porta refere-se essencialmente ao seu trabalho dentro do chapa e a todos os momentos e experiências vividas por eles neste contexto, nas suas relações com os utentes. 

 

Cobrador de chapa 100: A ilusão de uma Identidade Objectivada 

Neste subcapítulo, procuraremos mostrar como o ser cobrador constitui uma “identidade situacional”, no sentido em que se trata de uma identidade que se constrói contextualmente em função de um espaço social específico, que é o “chapa 100”, e em função das relações específicas que se geram no seio do “chapa 100” enquanto espaço plural de sociabilidades. Aqui procuramos trazer a imagem virtual do cobrador de “chapa 100”, segundo os depoimentos por ele apresentados, ou seja, a imagem construída pelos “outros” em relação à sua identidade social.  

Para tal, identificamos 3 tipos de imagens associadas aos cobradores que se baseiam na falta ou baixa escolaridade, a forma “rude” como se comportam perante os passageiros e o “Poder” e “Autoridade” que possuem sobre os utentes do “chapa 100”. 

 

São o que são porque à Escola não foram  

De acordo com a nossa revisão de literatura, o cobrador de “chapa 100” é visto com base em imagens negativas, isto porque, segundo Colaço (1998), quando surge o fenómeno “chapa 100”, os cobradores ainda no “início da carreira”, ou seja, antes de se terem tornado numa categoria profissional reconhecida, foram alvo de preconceitos e de discriminação por parte da sociedade. A sociedade e, particularmente, os usuários dos chapas retratam, de forma negativa, os chapistas. O mundo dos cobradores é um mundo dos excluídos, dos marginalizados. Há um complexo de superioridade manifesto por um sentimento de desprezo, desinteresse e indiferença à conduta dos chapistas. 

No decorrer das entrevistas por nós efectuadas aos cobradores de “chapa 100”, estes afirmaram que o seu trabalho é sempre desvalorizado pelos passageiros, e que eles não são respeitados e ou considerados devido à fraca escolaridade que eles possuem, isto é, os cobradores associam o facto de não terem concluído os seus estudos ao “mau” tratamento que recebem dos passageiros no quotidiano. No seu entender, os passageiros possuem ideias pré-concebidas sobre o seu comportamento e, a seu ver, estas ideias estão carregadas de preconceito e discriminação sobre si, julgando-os ou mesmo inferiorizando-os pela sua fraca escolaridade justificando e guiando as atitudes destes por este tipo de carência. 

Segundo estes cobradores, os passageiros classificam-nos de modo “negativo”, justificam os seus actos baseiando-se no baixo nível de escolaridade que eles possuem, o que causa de certa forma uma exclusão social no espaço social “chapa 100” e o não reconhecimento do seu trabalho, e geralmente, estas diferenciações tornam-se notáveis principalmente quando eclodem discussões e desentendimentos entre eles e os passageiros. No entanto, os cobradores afirmam que o respeito deve ser mútuo e compartilhado por todos, seja qual for a profissão ou o trabalho que a pessoa esteja a exercer, a dado momento, pois, a seu ver, nem sempre o tipo de trabalho que a pessoa exerce determina o que realmente a pessoa é. 

A identidade social virtual do cobrador de “chapa 100” atribuída pelos usuários do “chapa” advém das construções sociais à volta da sua imagem que são produzidas e reproduzidas pelos passageiros na realidade social do “chapa 100”. Estas construções, sentidas como discriminatórias, excluem-nos dos padrões sociais tidos como ideais no contexto no qual se encontram inseridos. 

A identidade de ego ou sentida é uma questão subjectiva, reflexiva, que tem de ser necessariamente sentida pelo indivíduo, uma sensação subjectiva da sua situação, da sua continuidade e do seu carácter, que advêm ao indivíduo como resultado das suas experiências sociais. Ou, por outra, o indivíduo constrói a imagem de si próprio a partir dos mesmos materiais com que os outros primeiro constroem uma identificação social e pessoal dele, mas ele tem uma margem de liberdade importante no moldar da sua identidade de ego (Goffman, 1988).


Referências bibliográficas

  • MACUÁCUA, Elton, Representação social em torno da individualidade do cobrador de “chapa 100” caso da Cidade de Maputo, 2005. Monografia para obtenção do grau de Licenciatura em Sociologia, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo.
  • DINESSE, Carimo Robene, “A sociedade dos angariadores: Uma reflexão sobre o transporte semi-colectivo na Cidade de Maputo, 2004-2007”, 2008. Monografia para obtenção do grau de Licenciatura em Sociologia, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo. 
  • MAUEIE, Emílio, “Recusa de regulamentos de lotação vs Reprodução de superlotação de viaturas”, 2010. 
  • COLAÇO, João Carlos, Mentalidade “chapa 100” na Cidade de Maputo, in: Estudos moçambicanos, número especial, Coordenação de Carlos Serra, Maputo, Oficina de Sociologia do CEA, 1998.

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