Sochangane-Manucusse, do mesmo modo que os restantes soberanas angunes, tentou impor as características revolucionárias de centralização estadual, reforço do poder monárquico, mobilização dos homens válidos e assimilação cultural e linguística dos cativos e cativas de guerra. Com o tempo, esta política inicial de homogeneidade cedeu a conveniências de ordem prática, adoptando os conquistadores fórmulas de compromisso mais flexíveis que permitiram a emergência de forças centrífugas quer entre os dirigentes Angunes, quer entre os agregados tribais submetidos.
Este processo de mutação não deve atribuir-se, unicamente, aos factores políticos e militares; tão importantes como estes foram os factores económicos que geraram graves crises e bloqueios na produção e distribuição de alimentos, forçando os guerreiros a depender, para sua sobrevivência, dum parasitismo extremo e brutal. Constantes rapinas a populações indefesas constituíam a única alternativa de subsistência para destacamentos obrigados a cumprir missões longínquas e frequen tes. As próprias povoações em que se concentravam com os seus familiares, dependentes e escravos, no intervalo das operações, tinham a sua viabilidade e auto-suficiência económica gravemente afectada por secas, pragas e outros condicionalismos ecológicos que o primitivismo das técnicas agrárias não permitia superar. A cultura do milho, cereal preferido pelos invasores, não encontrou no sul de Moçambique condições favoráveis à sua propagação. Não admira que a sua introdução forçada tenha contribuído para agravar as carências alimentares.
Eram frequentes as incursões visando a confiscação do gado, sobretudo bovino que, pela sua mobilidade e valor proteico, constituía o tipo de alimentação ideal para tropas sujeitas a constantes deslocações e a estrénuos esforços. Por exemplo, na incursão que Muzila mandou organizar contra a região entre o rio Incomati e os montes Libombos «a força penetrou inesperadamente nas povoações, matou o chefe e levou todo o gado, que consistia em 500 bois e 200 carneiros. Esse gado foi a salvação do exército, que já nada tinha que comer» (72).
Como é óbvio, esta estrutura económica baseada na pilhagem institucionalizada, com recurso implacável à força armada, não podia deixar de conduzir ao rápido esgotamento dos recursos de economias de mesa subsistência e, pior ainda, à resistência passiva das populações espoliadas que produziam o menos possível por receio de atrair a atenção de invasores cronicamente esfaimados O próprio ferro dos utensílios agrícolas chegou a ser extorquido. Por exemplo, João Loforte, na sua viagem de 1861, entre Inhambane e o Bazaruto, constatou que «os Vátuas nem as enxadas lhes deixam... cavam a terra com uma costela de elefante...» (73).
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